Tratar e compreender a produção cultural contemporânea Terêna passa pelo reconhecimento dos intensos e constantes processos de aculturação, assimilação e deslocamento a que foram submetidos, principalmente pela interferência dos povos hegemônicos do ocidente, os espanhóis e portugueses, durante a ocupação e exploração colonialista na América Latina, como também, mais recentemente pela última onda globalizante, onde o colonialismo se da pela influência principalmente do capital.
Estas interferências constantes no processo evolutivo das sociedades originária da América Latina se configuram como mecanismos de extermínio, tirania, exclusão e cerceamento dos direitos mínimos necessários para a sobrevivência natural destes povos, deixando marcas significativas em sua formação cultural.
Os Terêna são originários do Chaco(1) , região onde uma grande diversidade de grupos e subgrupos étnicos indígenas se relacionavam por meio de processos de dominação e de interdependência. As análises e referências preconizadas por autores clássicos e por cronistas em seus trabalhos de campo sobre os indígenas que ali viviam, de uma forma geral, indicam que não existe uma unanimidade quanto à divisão e classificação dos diferentes grupos, mas é consenso sobre a teoria da existência de um grande grupo chamado Aruák, que se divide em dois subgrupos bem diferentes por suas práticas culturais e pelo desenvolvimento de suas técnicas, chamados Chané e Guanás, conforme aponta Carvalho.
“As “nações” indígenas eram muito distintas cultural e “lingüisticamente”. Dentre as mais importantes destacavam-se: a Chiriguana (Guarani), com população composta de 40 a 50 mil pessoas; Mbayá, com 3 a 4 mil, dividida em sete ou nove tribos, muito temida pelos Espanhóis e por outros grupos tribais; Guaná, a mais pacífica e dócil, com cerca de 30 mil índios, dividida em sete grupos: Layana ou Chaná; Terêna ou Etelena, com dois “pueblos”; Echoaldi; Neguecagatemi; Equinikinao, também com dois “pueblos”. As demais eram: Mataguaya, Vilela, Lule, Macobi, Abipon, Lengua, Payaguá, Zamuca e Yacure. (CARVALHO, 1979, p. 24)
Os Terêna são os últimos remanescentes dos Guanás e tem o Aruák como língua materna, eram considerados pacíficos e exímios agricultores, utilizavam o sistema de roças que permitia obtenção de alimentos durante o ano todo. Esta foi a principal característica que os colocaram em situação de subordinação/integração com os seus parentes Mbayá-Guaicurú, povo nômade e guerreiro, que detinham a técnica de uso de metal como adorno e da utilização de cavalos como arma de guerra, logo após a introdução destes animais na América pelos Espanhóis(2) . As relações intertribais não se restringiam somente por meio dos conflitos e dominação, mas também por alianças estabelecidas por meio do matrimônio.
Esta complexa relação de interdependência entre os grupos pode ser caracterizada mais como uma união para suplantar as deficiências particulares encontradas pelas etnias, do que uma submissão simples imposta pelo domínio da força, da técnica ou mesmo da cultura.
Oliveira (1976) classifica como simbiótica as assimilações dos saberes e fazeres culturais dos Terêna com seus parentes indígenas. Posteriormente estas relações se expandiram para com os colonizadores e mais recentemente com as sociedades não indígenas das cidades e do campo.
“Pois essa estreita interação – simbiótica – até certo ponto pode ser generalizada para o universo Guaná, caracterizando todo um período que as relações, entre as partes representativas de ambos os grupos, assumiram formas sistemáticas e contínuas, e que resultaram num processo de aculturação inter-tribal, sem cuja consideração se torna impossível compreender a cultura Terêna (Guaná) tradicional.” (OLIVEIRA, 1997, p.36)
A produção cultural Terêna atual é composta pela diversidade de significados, representações e técnicas que foram sendo assimiladas e apropriadas através do tempo, de acordo com as relações estabelecidas com os índios e os não índios. Compreende-las requer partir do pressuposto de que tais manifestações foram sendo construídas, reconstruídas e principalmente perdidas durante sua evolução histórica.
Com o processo de genocídio implantado na região pelos colonizadores, os nativos da região do Chaco passaram por volta dos séculos XVIII e XIX a intensificar seus deslocamentos. Os Terêna seguiram no sentido sul pelo Rio Paraguai em direção ao atual Estado do Mato Grosso do Sul. Segundo Castelnau apud Carvalho (1979) a migração maciça iniciou-se por volta de 1845.
A ocupação das terras brasileiras pelos índios Guanás não foi nada tranqüila. Carvalho (1976) aponta três importantes movimentos que os colocaram em completa situação de exclusão e desterritorialização. O primeiro movimento se refere à expansão pastoril no centro oeste, sudeste e sul do país. O segundo se deu em virtude de um complexo fluxo humano gerado pela Guerra do Paraguai. Neste momento, os Terêna se aliaram ao Império pela promessa de serem reconhecidos como povo brasileiro e de terem seus territórios definidos legalmente. O terceiro movimento advém da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que trazia como símbolo o “eldorado” – caminho para o oeste -, que viabilizou uma robusta rede de comunicação com o oeste do Brasil. Partindo de Bauru – S.P., com interligação ao porto de Santos – S.P., chegando até Corumbá – M.S. Tratava-se de um projeto estratégico Latino Americano, visando à interligação do Oceano Atlântico com o Oceano Pacífico.
Os constantes deslocamentos dos Terêna em terras brasileiras impossibilitaram a suas práticas tradicionais de instituição de lugares, conforme se pode relacionar com os conceitos de Claval (2007).
A instituição de territórios, espaços e lugares devem-se em virtude de uma relação íntima um elo estreito, assimilado pelo grupo diante do seu significado. Não há sociedade sem espaço para lhe servir suporte, ou seja, todo individuo necessita apropriar-se do espaço, de alguma forma demarcá-lo e denominá-lo, ter uma referência espacial para cultuar seus mortos, localizar-se, para que assim possa construir sua identidade cultural.
A falta de referência espacial para a construção de uma sociedade remodelada de acordo com a sua nova realidade, fez com que os Terêna cada vez mais se integrassem aos meios culturais dos não indígenas. Sua desterritorialização proporcionou novas condições de organização social, como a condição de indígenas não aldeiados, que passaram a viver nas periferias das cidades, a de colonos que se dedicavam ao trabalho nas fazendas e mais tarde a situação de tutelados por parte do Estado.
Com a criação SPI – Serviço de Proteção Indígena, em 1910, pelo governo brasileiro, a política indigenista introduzida pelo Marechal Cândido Rondon – descendente de índio – direcionou-se para a criação de Reservas, onde os mesmos foram confinados e controlados como patrimônio federal, experimentando um novo modelo de organização sociocultural, passando de sua organização social associativa para o modelo de núcleo familiar.
Sendo criada em 1913, a Reserva Indígena de Araribá somente recebeu os primeiros Terêna em 1932, foram trazidos do Mato Grosso do Sul para repovoamento da Reserva, logo após a gripe espanhola ter quase dizimado a população Guarani e Caingangue que ali viviam.
“No Araribá os Terêna começaram a chegar em grupos familiais, a partir de 1932”. Primeiramente ai aportaram 21 indivíduos, entre adultos e menores, sendo 11 do sexo masculino e 10 do sexo feminino. Foram trazidos para dedicarem-se ao plantio e colheita do café, atividades que os Guarani não haviam mostrado aptidão ou interesse. Tempo depois, 12 deles, 6 de cada sexo regressaram ao Mato Grosso. Posteriormente houve novas chegadas...” (DINIZ, 1976, p. 46)
Atualmente, a Reserva de Araribá esta dividida em quatro aldeias, com sistema de governança indígena específico para cada uma delas, possui 144 residências para uma população total de 557 indígenas, sendo que estão divididos nas aldeias da seguinte forma: aldeia Ekeruá 146 moradores; aldeia Nimuendajú 74 moradores; Kopenoty 200 moradores e Tereguá 107 moradores(3).
(1) Chaco é uma área geográfica plana de baixa altitude, vegetação predominante de xerófilas, de estações bem definidas, com clima quente e seco, compensado por uma farta hidrografia, situa-se no sul da Bolívia, oeste do Paraguai, norte da Argentina e na parte oeste do Brasil, entre a margem direita dos rios Paraná e Paraguai, de um lado, e o sopé dos Andes do outro.
(2) OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Do índio ao Bugre: o processo de assimilação dos Terêna. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
(3) Dados relativos a março de 2009, informado pela Assessoria de Saúde Indígena – Pólo Base Bauru – FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
Foto 1: Duas das mais idosas indias de Ekeruá, Senhora Ingrácia e Senhora Rita. Ekeruá, abril de 2009
Estas interferências constantes no processo evolutivo das sociedades originária da América Latina se configuram como mecanismos de extermínio, tirania, exclusão e cerceamento dos direitos mínimos necessários para a sobrevivência natural destes povos, deixando marcas significativas em sua formação cultural.
Os Terêna são originários do Chaco(1) , região onde uma grande diversidade de grupos e subgrupos étnicos indígenas se relacionavam por meio de processos de dominação e de interdependência. As análises e referências preconizadas por autores clássicos e por cronistas em seus trabalhos de campo sobre os indígenas que ali viviam, de uma forma geral, indicam que não existe uma unanimidade quanto à divisão e classificação dos diferentes grupos, mas é consenso sobre a teoria da existência de um grande grupo chamado Aruák, que se divide em dois subgrupos bem diferentes por suas práticas culturais e pelo desenvolvimento de suas técnicas, chamados Chané e Guanás, conforme aponta Carvalho.
“As “nações” indígenas eram muito distintas cultural e “lingüisticamente”. Dentre as mais importantes destacavam-se: a Chiriguana (Guarani), com população composta de 40 a 50 mil pessoas; Mbayá, com 3 a 4 mil, dividida em sete ou nove tribos, muito temida pelos Espanhóis e por outros grupos tribais; Guaná, a mais pacífica e dócil, com cerca de 30 mil índios, dividida em sete grupos: Layana ou Chaná; Terêna ou Etelena, com dois “pueblos”; Echoaldi; Neguecagatemi; Equinikinao, também com dois “pueblos”. As demais eram: Mataguaya, Vilela, Lule, Macobi, Abipon, Lengua, Payaguá, Zamuca e Yacure. (CARVALHO, 1979, p. 24)
Os Terêna são os últimos remanescentes dos Guanás e tem o Aruák como língua materna, eram considerados pacíficos e exímios agricultores, utilizavam o sistema de roças que permitia obtenção de alimentos durante o ano todo. Esta foi a principal característica que os colocaram em situação de subordinação/integração com os seus parentes Mbayá-Guaicurú, povo nômade e guerreiro, que detinham a técnica de uso de metal como adorno e da utilização de cavalos como arma de guerra, logo após a introdução destes animais na América pelos Espanhóis(2) . As relações intertribais não se restringiam somente por meio dos conflitos e dominação, mas também por alianças estabelecidas por meio do matrimônio.
Esta complexa relação de interdependência entre os grupos pode ser caracterizada mais como uma união para suplantar as deficiências particulares encontradas pelas etnias, do que uma submissão simples imposta pelo domínio da força, da técnica ou mesmo da cultura.
Oliveira (1976) classifica como simbiótica as assimilações dos saberes e fazeres culturais dos Terêna com seus parentes indígenas. Posteriormente estas relações se expandiram para com os colonizadores e mais recentemente com as sociedades não indígenas das cidades e do campo.
“Pois essa estreita interação – simbiótica – até certo ponto pode ser generalizada para o universo Guaná, caracterizando todo um período que as relações, entre as partes representativas de ambos os grupos, assumiram formas sistemáticas e contínuas, e que resultaram num processo de aculturação inter-tribal, sem cuja consideração se torna impossível compreender a cultura Terêna (Guaná) tradicional.” (OLIVEIRA, 1997, p.36)
A produção cultural Terêna atual é composta pela diversidade de significados, representações e técnicas que foram sendo assimiladas e apropriadas através do tempo, de acordo com as relações estabelecidas com os índios e os não índios. Compreende-las requer partir do pressuposto de que tais manifestações foram sendo construídas, reconstruídas e principalmente perdidas durante sua evolução histórica.
Com o processo de genocídio implantado na região pelos colonizadores, os nativos da região do Chaco passaram por volta dos séculos XVIII e XIX a intensificar seus deslocamentos. Os Terêna seguiram no sentido sul pelo Rio Paraguai em direção ao atual Estado do Mato Grosso do Sul. Segundo Castelnau apud Carvalho (1979) a migração maciça iniciou-se por volta de 1845.
A ocupação das terras brasileiras pelos índios Guanás não foi nada tranqüila. Carvalho (1976) aponta três importantes movimentos que os colocaram em completa situação de exclusão e desterritorialização. O primeiro movimento se refere à expansão pastoril no centro oeste, sudeste e sul do país. O segundo se deu em virtude de um complexo fluxo humano gerado pela Guerra do Paraguai. Neste momento, os Terêna se aliaram ao Império pela promessa de serem reconhecidos como povo brasileiro e de terem seus territórios definidos legalmente. O terceiro movimento advém da construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que trazia como símbolo o “eldorado” – caminho para o oeste -, que viabilizou uma robusta rede de comunicação com o oeste do Brasil. Partindo de Bauru – S.P., com interligação ao porto de Santos – S.P., chegando até Corumbá – M.S. Tratava-se de um projeto estratégico Latino Americano, visando à interligação do Oceano Atlântico com o Oceano Pacífico.
Os constantes deslocamentos dos Terêna em terras brasileiras impossibilitaram a suas práticas tradicionais de instituição de lugares, conforme se pode relacionar com os conceitos de Claval (2007).
A instituição de territórios, espaços e lugares devem-se em virtude de uma relação íntima um elo estreito, assimilado pelo grupo diante do seu significado. Não há sociedade sem espaço para lhe servir suporte, ou seja, todo individuo necessita apropriar-se do espaço, de alguma forma demarcá-lo e denominá-lo, ter uma referência espacial para cultuar seus mortos, localizar-se, para que assim possa construir sua identidade cultural.
A falta de referência espacial para a construção de uma sociedade remodelada de acordo com a sua nova realidade, fez com que os Terêna cada vez mais se integrassem aos meios culturais dos não indígenas. Sua desterritorialização proporcionou novas condições de organização social, como a condição de indígenas não aldeiados, que passaram a viver nas periferias das cidades, a de colonos que se dedicavam ao trabalho nas fazendas e mais tarde a situação de tutelados por parte do Estado.
Com a criação SPI – Serviço de Proteção Indígena, em 1910, pelo governo brasileiro, a política indigenista introduzida pelo Marechal Cândido Rondon – descendente de índio – direcionou-se para a criação de Reservas, onde os mesmos foram confinados e controlados como patrimônio federal, experimentando um novo modelo de organização sociocultural, passando de sua organização social associativa para o modelo de núcleo familiar.
Sendo criada em 1913, a Reserva Indígena de Araribá somente recebeu os primeiros Terêna em 1932, foram trazidos do Mato Grosso do Sul para repovoamento da Reserva, logo após a gripe espanhola ter quase dizimado a população Guarani e Caingangue que ali viviam.
“No Araribá os Terêna começaram a chegar em grupos familiais, a partir de 1932”. Primeiramente ai aportaram 21 indivíduos, entre adultos e menores, sendo 11 do sexo masculino e 10 do sexo feminino. Foram trazidos para dedicarem-se ao plantio e colheita do café, atividades que os Guarani não haviam mostrado aptidão ou interesse. Tempo depois, 12 deles, 6 de cada sexo regressaram ao Mato Grosso. Posteriormente houve novas chegadas...” (DINIZ, 1976, p. 46)
Atualmente, a Reserva de Araribá esta dividida em quatro aldeias, com sistema de governança indígena específico para cada uma delas, possui 144 residências para uma população total de 557 indígenas, sendo que estão divididos nas aldeias da seguinte forma: aldeia Ekeruá 146 moradores; aldeia Nimuendajú 74 moradores; Kopenoty 200 moradores e Tereguá 107 moradores(3).
(1) Chaco é uma área geográfica plana de baixa altitude, vegetação predominante de xerófilas, de estações bem definidas, com clima quente e seco, compensado por uma farta hidrografia, situa-se no sul da Bolívia, oeste do Paraguai, norte da Argentina e na parte oeste do Brasil, entre a margem direita dos rios Paraná e Paraguai, de um lado, e o sopé dos Andes do outro.
(2) OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. Do índio ao Bugre: o processo de assimilação dos Terêna. 2. ed. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1976.
(3) Dados relativos a março de 2009, informado pela Assessoria de Saúde Indígena – Pólo Base Bauru – FUNASA – Fundação Nacional de Saúde
Foto 1: Duas das mais idosas indias de Ekeruá, Senhora Ingrácia e Senhora Rita. Ekeruá, abril de 2009