A produção cultural Terêna de Ekeruá se mostra espontânea e lentamente renasce como forma de resistência, emergindo de dentro para fora de sua sociedade, pelas ações conscientes de suas lideranças e pela implantação de uma política emancipadora pelos professores indígenas, juntos trabalham no estímulo pela consciência de suas diferenças étnicas e pela manutenção de sua cultura tradicional.
A língua materna, o artesanato, as danças, os jogos cênicos e a memória oral são as manifestações culturais que mais se revelam na comunidade de Ekeruá, sendo que a comunicação através da linguagem originária é a relação que mais os aproxima de sua cultura originária.
Aquelas que geram produtos são disponibilizadas como forma de geração de renda e as demais contribuem para divulgação das características étnicas, em festividades na aldeia, eventos e feiras em cidades próximas. Estas produções provocam uma das poucas oportunidades de interação e trocas entre a população local, são momentos de trabalho coletivo onde se efetivam as práticas culturais, exercendo o planejamento, a execução, difusão e as noções de comércio. Na dança a estrutura de trabalho familiar é trocada pelo coletivo, remetendo a origem mais tradicional de seus antepassados.
Parte das características e técnicas de produção dos Terêna conseguiram se manter durante seu longo processo histórico, sua transmissão foi sendo viabilizada de geração em geração pela memória oral e pelo exercício da prática.
Duas das mais idosas índias de Ekeruá, as irmãs Ingrácia e Joana, matriarcas do fazer da cerâmica na aldeia, relatam processo de transmissão da técnica e indicam que quando este processo se deu a atividade já objetivava o mercado.
“Aprendemos a fazer a cerâmica com a finada minha mãe, só nos duas, ia crescendo e ia chamando a gente, via ela fazendo, nos duas acompanha, a maioria trabalha na aldeia, o trabalho de todo mundo era fazer cerâmica, cada uma fazia em sua casa, as mulheres da comunidade mulheres fazia, não sei se fazem ainda, todas elas trabalhavam moravam na aldeia de Cachoeirinha MS. Ai senta no chão pega o barro e vai fazendo e não brinca minha mãe não deixava brincar, não brinca com a mãe, não podia brincar, respeita a mãe quando a mãe chama tem senta e faze. Senta faz um pouco um dia e continua no outro.” (Ingrácia entrevista realizada em 05/07/ 09 na aldeia de Ekeruá)
A Cerâmica é o artesanato que mais identifica a cultura Terêna, por sua coloração avermelhada e pela pintura monocromática. Seus produtos basicamente se dualizam em utensílios domésticos, como vasos, cuias, panelas, moringas e por objetos de decoração, principalmente animais e aves. É uma atividade praticada exclusivamente pelas mulheres diferentemente de outros tipos de artesanato, que se constata a presença de homens.
Os demais tipos de artesanato são produzidos por grupos familiares, é comum todos os membros de uma mesma família se dedicarem a este trabalho, como é o caso da família de dona Elisângela.
“Eu acabei ensinando a todo mundo daqui de casa, porque estas coisas a gente vai passando para a família, meu pai ensinou nós, porque eu via ele fazendo, ai eu casei com Terêna, mais os Terêna mechem mais com cerâmica, os colares de semente eles não meche, mais como ele comigo foi aprendendo eu fui passando, aprendeu trançar, até aprendeu o trançado de guaimbe e com isso meu filho foi também apreendendo e todos já sabem da família.” (Elisângla,entrevista realizada em 05/07/09 na aldeia de Ekeruá)
A produção dos demais tipos de artesanato pode ser dividida em adornos como colar, brincos, braceletes, cintos entre outros, como também diversos instrumentos, alguns musicais como flauta de bambu e chocalhos e outros de caça, como arco e flecha, lanças e zarabatana. Muitos dos adornos são característicos da cultura indígena, outros mais ocidentalizados. Toda a produção é praticamente feita manualmente sem o auxílio de ferramentas ou maquinas. Grande parte da matéria prima utilizada é aquela encontrada na própria aldeia, cipó, sementes de diferentes espécies, bambu e penas, a diversidade da produção esta definida pela obtenção de matéria prima.
“Meu pai fala que os índios Guarani viam os desenhos das cobras entendeu, vê que é quase igual, via o desenho que tinha na cobra e fazia igual, vê esse aqui também tem o desenho da cobra, essa e de outra cobra mais tem da jibóia que é assim, tipo de balãozinho, então antigamente os índios fazia igual das cobras meu pai fez e a gente vai passando pros outros. A gente acaba tirando as idéias da própria natureza, dos animais.” (Elisângela,entrevista realizada em 05/07/09 na aldeia de Ekeruá)
As atividades cênicas praticadas em Ekeruá envolvem toda a comunidade, de crianças a idosos, de forma coletiva e divertida se pintam, utilizam adornos e vestimentas semelhantes as usadas por seus antepassados. A dança do Bate-Pau é estritamente masculina, em fila dupla os homens se confrontam simbolizando um momento de guerra entre duas tribos inimigas, segundo explicações do Cacique Jasone. A Dança da Chuva é praticada somente por mulheres e esta relacionada à fertilidade. A encenação de contos ligados à mitologia Terêna é algo que foi apropriado dos contadores de historias do passado e a transmissão se deu através da oralidade. Segundo David os pajés Terêna tinham o papel de manter viva a imaginação e a mitologia, reuniam as crianças nas noites de luar no centro da aldeia, contando e representando diversas historias. Na atualidade esta atividade não é mais desenvolvida pelo pajé, os professores indígenas assumiram este papel e deram um caráter mais teatralizado para a transmissão de seus mitos e das historias de seu povo.
A língua materna dos Terêna o Aruák, com o passar do tempo se tornou uma língua secundária praticada em Ekeruá, utilizada pelos índios mais velhos principalmente em ambientes mais reservados, como dentro de casa e em pequenos grupos. O português então se tornara a língua principal, era a única ensinada na escola local e utilizada nas diferentes formas de comunicação, o que acabou levando os Terêna a um significativo distanciamento da língua materna, conforme relata a Secretária de Educação de Avaí, Ondina Zapater, “as crianças não falavam mais a língua materna”. Foi no ano de 2001, que a Rede Municipal de Ensino de Avaí introduziu nas escolas da Reserva, a figura do indígena como auxiliar do professor titular, trabalhavam juntos em sala de aula com objetivo de introduzir o ensino da Língua materna e no resgate da linguagem. Quando da estadualização das escolas indígenas em 2003 pelo Governo do Estado de São Paulo, a Secretaria de Educação, em parceria com a Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, iniciou um processo de formação de professores indígenas da própria Reserva. Atualmente somente existem professores indígenas nas escolas da Reserva, o que provocou a efetivação pedagógica de ensino bilíngüe.
Com a formação dos professores indígenas os alunos aprendem à língua materna e o português. Essa metodologia de ensino bilíngüe tem causado certo empoderamento aos jovens diante dos não índios por dominarem uma segunda língua, se sentem diferentes pela capacidade da comunicação e pela ligação mais íntima com sua identidade cultural. É possível verificar este fortalecimento na aldeia quando se vê crianças conversando e brincando na língua materna, que, de acordo com o professor David, a escola atende as orientações dos PCNs - Parâmetros Curriculares Nacionais e funciona da seguinte forma.
“Na escola formal da aldeia atende até a oitava série, trabalham 7 professores todos são indígenas da própria aldeia. E esta dividida em 3 eixos, um da linguagem de códigos; que trabalham a língua portuguesa, Terêna e inglês também, artes, o outro que eu dou que é ciências e matemática e o terceiro, história e geografia. Na escola tem oficinas todas culturais, nosso idioma, estórias do nosso passado a escola funciona por ciclo 1, 2 e 3. O ciclo 1 é o 1º, 2º e 3º ano, o ciclo 2 é o 4º, 5º e 6º ano e o ciclo 3 é 7º, 8º e 9º ano. Temos hoje 58 alunos.” (David, entrevista realizada em 05/070/09 na aldeia de Ekeruá)
Diante de todo o processo de pesquisa de campo que acabou proporcionando uma relativa intimidade com diversos moradores da aldeia, e principalmente com as conversas informais sem o constrangedor “gravador” é que foi possível constatar que existe determinada consciência da situação de submissão social do qual o grupo esta sujeito. Foi possível perceber principalmente entre os índios mais politizados o entendimento de que abrir a aldeia para que a sociedade conheça suas diferenças culturais será uma forma de auto-afirmação de sua identidade e de uma grande possibilidade de se construir novas perspectivas de trabalho por meio do turismo, tendo como principal atrativo suas manifestações culturais.
A comunidade de Ekeruá vem buscando novas perspectivas de vida por meio de suas diferenças, suas características originárias tem provocado um determinado empoderamento cultural. Essa recente situação é possível de ser identificada quando de sua participação do projeto “Caminhos Turísticos do Centro Oeste Paulista”, que congrega dez municípios da região na viabilização das potencialidades locais, buscando o fomento do turismo.
Diante desta nova perspectiva, a produção cultural da aldeia começa a ser vista pelos moradores como algo que pode proporcionar novas possibilidades. O estímulo a se expressar artisticamente, tendo como referencia suas raízes, ganha maior dimensão e aceitação principalmente dos mais jovens, permitindo que a auto-afirmação de sua cultura, diminua os conflitos de identidade com a sociedade não indígena.
Foto 1: Cerâmica tradicional Terêna. Ekeruá, abril de 2009
Foto 2: Artesanato Terêna. Ekeruá, abril de 2009
Foto 3: Maquete construida pelos alunos da escola local. Ekeruá, abril de 2009
Foto 1: Cerâmica tradicional Terêna. Ekeruá, abril de 2009
Foto 2: Artesanato Terêna. Ekeruá, abril de 2009
Foto 3: Maquete construida pelos alunos da escola local. Ekeruá, abril de 2009